A herança portuguesa de um Estado forte, centralizador e patriarcal está estrangulando a educação no Brasil. O próprio Estado não quer se modernizar, e isso o desqualifica para qualquer papel na modernização da educação.
Em primeiro lugar, é necessário lembrar a distinção entre Estado e Governo. O primeiro termo se refere àquele setor da sociedade criado por documentos legais chamados constituições, que é responsável pelo bem comum de todos os cidadãos que optam por morar e conviver no seu território (como membros da sociedade civil), seja em nível de maior abrangência (âmbito federal), menor abrangência (municipal) ou intermediário (estadual).
O termo Governo, por outro lado, refere-se ao grupo ou associação
de grupos de indivíduos, organizados em partidos políticos (alguns alinhados ideologicamente mais com a direita do espectro, outros com
a esquerda ou o centro) que, quando eleitos, democraticamente ou não, assumem os poderes executivo e legislativo durante um período temporário, fixo e curto, normalmente de quatro anos, podendo ou não ser reconduzido.
O problema da nossa herança está na visão anacrônica do papel do Estado brasileiro que reside nas cabeças dos participantes dos Governos que entram e saem, a cada quatro anos, visão esta essencialmente igual, independentemente de qualquer variação partidária Governamental, aquela dos tempos da monarquia. Ocorre que a complexidade da sociedade contemporânea, com suas necessidades de adaptação rápida a novas circunstâncias e contingências, elimina qualquer possibilidade de manter um Estado centralizador, pesado ao
se movimentar ou tomar decisões e retrógrado na sua visão das coisas.
No mundo moderno, o Estado tem que delegar à sociedade civil (empresas, ONGS, universidades e outras organizações com ou sem fins lucrativos) a execução ágil da produção de bens e serviços necessitados. Cabe ao Estado nada mais do que (1) identificar com a máxima antecedência os problemas da comunidade sob sua jurisdição, (2) dar incentivos às organizações da sociedade civil para que se interessem em agir, e (3) fiscalizar os serviços oferecidos à Sociedade no tocante à sua qualidade. Nada mais.
Porque estamos sufocando na educação? Tenho espaço aqui para indicar apenas uns poucos (entre muitos) exemplos graves da visão antediluviana dos atuais, embora temporários, detentores dos poderes executivo e legislativo, que não estão preparando o país para o século 21:
A nova lei dos direitos autorais, efetiva desde junho de 1998, não prevê "uso honrado" (isto é, para fins educacionais, não-comerciais) de material protegido como propriedade intelectual - e tudo está protegido hoje, desde toda a informação textual, visual e sonora na www até tudo o que está em revistas, livros, vídeos, e tv. Qual vai ser o primeiro professor do ensino básico a se transformar em bode expiatório, processado para servir de caso exemplar, indo para a cadeia por ter tirado material da www para incorporar às suas aulas? No Brasil, pela nova lei, é crime, sujeitando o condenado a um período de 4 até 12 meses de prisão.
Onde estão os 100.000 computadores para as escolas públicas prometidos pelo Ministério de Educação quatro anos atrás? Os jornais falaram todos estes anos que o dinheiro necessário, vindo de agências financiadores tipo Banco Mundial e Banco Inter-Americano, já estava em caixa. A sociedade civil tem que acordar e se virar para modernizar, com recursos locais, as suas escolas; depender de órgãos centrais que perderam a credibilidade não dá mais.
Estes pontos são poucos em relação a todos os problemas que estão estrangulando a educação no país. Será que pode existir a esperança de que, apesar do Estado e dos Governos, o Brasil vai para a frente?
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Frederic M. Litto é Coordenador Científico
da Escola do Futuro da USP
e Consultor Acadêmico do Instituto
de Tecnologia ORT de São Paulo
e-mail: frmlitto@usp.br |